quinta-feira, janeiro 28, 2010

Conversa de Bibianas

***

Bibi diz:
Bibi, não faz sentido.
Bibi responde:
Bibi, nada faz sentido.
Bibi diz:
Depois eu que sou a louca...
Bibi diz:
Eu também.

Bibi diz:
Eu não entendo.
Bibi diz:
Vou fumar um mentol.
Bibi diz:
Eu também.
Bibi diz:
Estou reduzindo a bebida. Não faz mais sentido pra mim.
Bibi diz:
Eu também.

Bibi diz:
Tenho uma consulta médica.
Bibi diz:
Eu também.

Bibi diz:
Não sei o que fazer profissionalmente.
Bibi diz:
Vou vender meu corpo na Europa para sustentar meu estilo de vida.
Bibi diz:
Eu também.

Bibi fuma mais um cigarro.
Bibi também.

Bibi diz:
Bibi, não faz sentido.
Bibi diz:
Bibi, nada faz sentido.


Garçonete diz:
Aqui está a conta das Bibianas.


Bibi diz:
Viu o filme da Chanel?
Bibi diz:
Eu quero ser a Chanel.
Bibi diz:
Ela saiu do meio do nada.
Bibi diz:
E conquistou tudo.
Bibi diz:
Não vou vender meu corpo na Europa.
Bibi diz:
Nós podemos bem mais.

Bibi diz:
Meu nome é Bibiana.
Bibi diz:
O meu também.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

Linhas Retas para Fernando

***

De um lado a doença
A dívida
O choro

De outro
O lírico
O lúdico
Os monstros reais do imaginário

Que abismo é esse que me separa de mim?

Envolta no veludo da noite
Nua, vestida de lágrimas
Meus braços doem
Por tentar segurar as paredes em queda
Disto que chamam vida

Não é da minha natureza a melancolia
Não sei ser triste.
O choro se transforma em angústia
E fuga.

Que acolhedores e macios
Me parecem, daqui
Os monstros do imaginário

Sonho com a copa das árvores
E uma onda a beira mar
Pela qual eu possa deixar-me tragar

Como são duras as pedras,
Disto que chamam realidade.

Esforço-me para não acordar-te do sonho
Me afasto
Para que esse grito não te desperte
Corro
Para tentar lançar fora
Essa pedra que carrego no peito

O verso abandona a poesia
Em metamorfose
De pura auto-ajuda

Doutora,
Me tiraram todos os meus remédios pra ansiedade.
Como são duras as pedras,
Disto que chamam realidade.

Não tenho o menor talento para realidade.
Estou farta de semi-deuses.

segunda-feira, janeiro 25, 2010

Um janeiro como todos

***

Em Porto Alegre, 42 graus.
Umidade relativa do ar: muito alta.
Ansiedade relativa do ser: maior ainda.

Mas, em Porto Alegre,
vida continua acontecendo:
Ainda se vêem doutores em peças de teatro;
Ainda se encontram os amigos
E sente-se saudade, ainda.

Mas, ainda, em Porto Alegre,
Pessoas se apaixonam por amores não recíprocos;
Ainda, em Porto Alegre, casais,
a muito separados,
se divorciam.

Em Porto Alegre,
O telefone toca:
Horas passa que traz angústias de outrem,
Ora, alegrias minhas.

***

Em Porto Alegre,
Temperatura:
Escaldante.
Umidade relativa do ar:
Muito alta.
Humanidade relativa das coisas:
Estourando os termômetros.

E, no ar que me faz voar os cabelos:
Ventos de mudança.
Assim são os dias
De Janeiro
Em Porto Alegre.

***

P.S.
Agora, temperatura:
Amena.
Estado de espírito:
Calmo.


Termômetros do Ser, Porto Alegre, Janeiro

Em Compasso de Espera

***

A bateria recua
É pleno carnaval

Os tambores põe a avenida
Em compasso de espera

As morenas com suas bundas
E os mestre-salas com suas bandeiras

Ninguém sabe a nota final

E o samba por aqui
É de pura ansiedade

Vontade dura de chegar ao final
Do samba
É bambo
E correr pros teus braços

Mas ninguém sabe ao certo
O que pensam
O que pensas

E então, é carnaval
Só me resta sambar

Eu e a bateria
Em recuo
Em compasso

De espera

E, lá fora,
Passam as morenas com suas bundas
E os mestre-salas com suas bandeiras
Porque hoje é Janeiro
E Janeiro no Brasil
É só ensaio

Fevereiro é carnaval
O carnaval
O carnaval


Janeiro, ensaio, 2010

quarta-feira, janeiro 20, 2010

Desabafo

***

Da mama ao olho
Do leite ao choro
Vivo de termos que só vi na tevê

Derrepente, virei um caso
Um raro acaso
De suposições
Em de-conexões
De associações

Puras
Simples
E caras

De Hemingway a Picasso
Meu moleskine virou um retrato
De demasiados contratos
Demasiadas receitas
De desencontradas suspeitas

Pareço uma viciada
A viver de tantas picadas
De pura ânsia

De sair do coma
De rasgar a lona
De virar a mesa
Me apegar a reza
E, sem mais delongas,
Acabar com a pressa.

Que me venha a calma
Que me cure o trauma.

terça-feira, janeiro 19, 2010

Bar Dô

***

É tanto que explode
De novo
Explode

Em desejo
Em sexo
Em álcool

Explode em um tanto de sensações que desconheço
Que desconfio
Que afino a fino fio
De sangue.

Que me corta o corpo
E me embriaga a carne.

Gozo de amizade:
Em cena
Em mesa
Em bar
Em cama
De dama.

Da noite, o coito
Afoito
O gozo

O ser

Viver


De noites de amores, Bardô, POA, hoje, Janeiro.

Escrita sobre Escritos

***

Tem mudado muito meu processo de escrever.
Antes, era o eu quem falava.
Cheio de deslumbramento e autopiedade, o eu falava voraz sobre a imagem no espelho.
Hoje não.

Hoje escrevo como quem tira uma foto, para que o espírito do tempo presente não se perca
com o tempo passado.

Do francês oubli, esquecimentos,
passo para o português obrigação e obrigada.

Escrevo como se me fosse um dever narrar as coisas que vejo.
Escrevo sobre as coisas, todas que não são minhas,
como se os sentimentos me fossem emprestados para que eu os possa sentir e contar.

E, como quem pega uma coisa emprestada, escrevo por gratidão.
Por me ser permitido sentir e me ser concedida a nobre tarefa de contar o que sinto.

Sou mais uma ferramenta do que qualquer outra coisa:
como um desses programas de traduzir idiomas que há nos computadores,
sou mera ferramenta de contar simultâneas histórias.
Sou mera ferramenta de traduzir, para que os sentimentos não passem sozinhos e para que não acabem perdendo-se na tradução.

domingo, janeiro 17, 2010

Notas sobre Ritos de Passagem

***

Da última vez que me encontrei comigo, eu era uma jovem.
Pois muito bem que estava a crescer, me organizar, me independizar. Uma jovem.

Passa-se que ontem fui a uma formatura. Não era a minha, ainda, confesso; mas vejam que curioso:
me encontrei comigo. E eu era uma adulta.
Estava lúcida, consciente de mim e dos outros e, ainda mais curioso, encontrei com muitas das pessoas que, enquanto eu crescia, eu vi crescer; e muitos também eram adultos.
Profissionais, companheiros de suas companhias, inteiros, adultos.

A parte do inteiros fica por minha conta, pois nunca se sabe, assim bem, em quantas partes alguém se divide por dentro. Mas, por fora, sorriamos, falávamos das profissões do presente e das pretensões do futuro. Pequenos adultos a germinar do solo da infância. É bonito ver um jardim crescer assim, em casamentos, formaturas, profissões e sorrisos.

Há qualquer coisa que não sei sobre ritos de passagem;
 mas hoje eu acordei e ainda era uma adulta.
Há qualquer coisa que não sei sobre ritos de passagem.

sexta-feira, janeiro 15, 2010

Perdão e Serenidade

***

Tenho um grande amigo, uma alma irmã, como costumo dizer, que tem uma ótima frase sobre perdão.
Diz ele:
"Eu te perdoo, eu me liberto".

Assim, o perdão deixa de ser um ato que se faz em prol do outro, dando o bem a outrem, e passa a ser um ato que traz o bem a quem o realiza. Eu gosto dessa idéia.

Ontem uma coisa muito bonita aconteceu comigo: o perdão.
Pude sentir direitinho o momento em que ele veio, senti o coração se encher e os pulmões se esvaziarem.
E me senti mais leve. Um amigo querido me perguntou como me sentia e a resposta foi categórica:
Estou me sentindo magra.
E me sentia mesmo, me sentia como uma pluma, mal sentia minhas pernas tocarem-se.

Assim, fui contar a minha alma irmã do acontecido e escrever-lhe uma mensagem pelo celular. Ocorre que eu uso aquela ferramenta do celular que dá todas as possibilidades de palavras com aquela combinação de letras e, então, fui eu escrever a frase que meu amigo me ensinou e, ao escrever "perdoo", algo muito bonito aconteceu:

A primeira combinação possível para o conjunto de letras da palavra "perdoo", no celular, é "sereno".

Acho que não preciso dizer mais nada. Passamos a todo momento por situações de provação que nos exigem a rara e difícil capacidade de perdoar. É duro, é dolorido e quase como que anti-natural. Porém o resultado do perdão é simples: é sereno.

Aos que acharem que serve o chapéu, meu grande abraço, minha força para que consigam perdoar e um desejo no imperativo: libertem-se!

A Trama

Trama-se a trama de forma serena
E é só assim que se pode tramar

Os bandidos errantes
Tramando seu próximo golpe
Esquecem-se que vida
É feita de amar

A poeira do sotão
Em agudo silêncio
É gentil forasteiro
Pedindo saudade que volte

O croché da rendeira
Que trama na cama
Traz, a cada ponto
O contraponto da sorte

A palavra de corte
Do poeta boêmio
Faz arte da morte
Entre copas de vinhas

As viúvas tão tristes
E as tias sozinhas
Entre grossas linhas
Fazem, da trama
Sua fuga da vida

A moça bonita
Faz, da trama, lida
E amarra o cabelo
Com um laço de fita

Todos em fila
Tramam a trama

Esquecem, porém
Que trama-se a trama
De forma serena
E é só assim
Que se pode tramar

O ponto certeiro
É incansável guerreiro
Guarda a medida exata
Do quanto tramar
A trama da trama


Bibiana Xausa Bosak, quarta-feira 13, Janeiro, 2009

terça-feira, janeiro 12, 2010

Bonecas de Janeiro

***

A inspiração é um espírito curioso, vem nos mais aleatórios momentos e não dá, assim, muita explicação.
Alguns tem a sorte de inspirações constantes, outros, engatilhada por algum elemento.
Há inspirações de todas as sortes.
A mim, inspira muito lavar o carro.
Não sei por que, deve ser algo sobre a espera pela vez, entrar naquele retangulo escuro com com grandes vassouras que giram sobre o carro, não sei, mas a mim, lavar o carro inspira-me à poesia.
Como sucedeu-se hoje. Segue aqui o resultado:


BONECAS DE JANEIRO


A maquiagem torna mais evidente o rosto da boneca.
São as marcas da pintura,
Disfarçando os vincos da vida. 


As maças, pessego, 
Trazem-lhe uma certa leveza
Quase juvenil.


A boneca de cera sorri.
Mais um dia de verão.
Vaidade e inocência
Pregam
Que o calor desumano de Janeiro
Não lhe derreta sua cera
E suas cores. 
Mesmo as bonecas
Sofrem de calor.


O vento levanta as pregas da saia
Colorindo as buchechas 
E deixando mais rubro o dia dos malandros
na praça da cidade.
Em um dia de Janeiro.

Bibiana Xausa Bosak, 12 de Janeiro de 2010

segunda-feira, janeiro 11, 2010

Mira Miró.

por las ramblas me pego a mirar
la trajetória del hombre solitário
és Miró a pintar


quando miré, no lo entendi
pero era niña, jueven del'alma
no lo entendia como lo entendem las gitanas
que en una mano
se puede mirar una vida completa


Pequeno poema em espanhol errado. Tirei está foto no museu do Miró. É estranho como um Miró de tantas cores pode produzir uma linha. Uma linha. Tão significativa e que se demore tanto para entender.
O quadro chama-se "A tragetória do homem solitário" e só hoje, passados mais de 3 anos, olhando pra foto do quadro sem quererm é que consegui entender.

Não se pode olhar pra ele como olham os céticos, uma linha não diz nada aos céticos. É preciso olhar pra ele como olham as ciganas, o quadro agora me parece genialmente óbvio: é uma linha da vida.
O sentido dele faz toda a diferença, se estivesse virando ao contrário, como se pode imaginar, significaria o oposto, mas, virado assim, consigo ver claramente a tragetória do homem solitário.

Uma infância e juventude vividas as preças, sem grande atenção ou acontecimentos; uma vida adulta de turbulências miúdas, nada que mude a vida de alguém e, por fim, uma velhice inquieta por tudo que se deixou de viver. E ainda alí, bem no final, uma tentativa frustrada de dar a volta, para começar tudo outra vez.

É incrível como demoramos para perceber o óbvio. Olê, Miró! Cada vez mais, meu artista preferido.




domingo, janeiro 10, 2010

EU TE AMO: alguém esbarrou em um segredo meu

***

Sabe quando temos um segredo, nada muito grave, uma letra de música, uma expressão que gostamos, qualquer coisa, mas um segredo, algo nosso que não temos ou ainda não tivemos oportunidade para dividir?

Pois é, eu tenho vários desses. Pequenos segredos de agrados que guardo comigo. Sabores, sons, gestos, expressões das pessoas que gosto, coisas pequenas. E hoje, como que sem querer, alguém esbarrou em um segredo meu.

Hoje recebi uma declaração de amor de alguém que eu amo. Poderia ter sido algo singelo, um eu te amo em sua grandiosidade simples. Mas não foi, foi algo bem grandioso, porque, querendo ou não, essa pessoa esbarrou em um segredo meu. Esbarrou em uma música que eu passei a semana cantando, sozinha, baixinho, dentro da minha alma. Uma música que passei a semana inteira ouvindo um CD onde ela não estava, na esperança de encontrá-la ali.

Quando alguém esbarra em um segredo assim, tão de surpresa, é impossível não sorrir. Me faz lembrar de outros segredos, me faz lembrar dos trejeitos que gosto, dos sorrisos sorridos. Que poder tem os segredos...

Por isso, hoje, depois de escrever coisas nada autorais e muito pessoais, despeço-me com o meu segredo. Despeço-me deixando a música para que quem ler ache, nela, segredos seus.

Mas digo mais uma coisa ainda, antes de ir: muito mais assustador do que lançar-se ao mar, 10 mil vezes mais assustador do que lançar-se ao mar, é queimar os navios. Ai... quanta coragem é preciso ter para se queimar os navios.

Eu TE AMO
(do Maestro e do Malandro)



Ah, se já perdemos a noção da hora

Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir


Ah, se ao te conhecer

Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir


Se nós nas travessuras das noites eternas

Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir


Se entornaste a nossa sorte pelo chão

Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu


Como, se na desordem do armário embutido

Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu


Como, se nos amamos feito dois pagãos

Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair


Não, acho que estás te fazendo de tonta

Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir.



sexta-feira, janeiro 08, 2010

Haicai de Saudade #1

***
Em que ponto perdido da bolsa deixei as chaves da minha alma?
Ah,  acabei de lembrar!
Esquecí-as na porta da tua casa.
***

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Quando estamos batidos


***

Começa aqui mais um texto na “língua do uma vez”.

Acabo de voltar da tabacaria, sai de uma consulta médica e me calhou passar por ali.
Sentei na rua, estava quente e abafado. Sentaram ao meu lado duas senhoras muito simpáticas e, com as duas mesas disponíveis ocupadas, uma menina vestidas com roupas meio hippies pediu licença para sentar à minha mesa.

Começamos a conversar, seu nome é Fernanda, ela é psicóloga mas há tempos não atua. Está aqui passando férias, acabou de voltar de uma missão de proteção a civis no Siri Lanka, onde trabalhou durante 1 ano.

Falamos sobre como encontros casuais as vezes definem nossas vidas mais do que imaginamos e me contou como ela largou tudo para o alto e foi fazer um curso na Romênia, onde conheceu um americano que é o amor da sua vida.

Ela me perguntou se eu conhecia algum professor de espanhol, pois seus planos são ir para a Argentina, tem um curso que ela quer muito fazer, mas está com medo de chegar lá direto para o curso e não entender a língua. Ao me contar isso, eu perguntei porque ela não ia antes, já que não estava fazendo nada aqui mesmo, e isso me lembrou de uma velha história que vi uma vez e me marcou muito:
***
Uma vez eu ainda veraneava em um hotel muito simpático em Xangri-lá. O hotel tinha um ótimo corpo de recreacionistas, os quais eu adorava.

Uma vez eu olhava enquanto uma das recreacionistas jogava Canastra com um hóspede. Enquanto jogavam, chegou um outro recreacionista e falou que ela precisava sair, que estava sendo chamada. Ela, interessada no jogo, falou que já estava indo. Foi assim que aconteceu ou, pelo menos, é assim que me lembro.

O outro recreacionista pô-se a olhar para o jogo dela e, apontando para algumas cartas e mudando-as de posição disse:

Tu está batida. 

***

Fernanda já está batida, ela pode ir para Argentina quando quiser e apenas não tinha se dado conta disso.

E quantos de nós não estamos batidos sem nem perceber??

Às vezes estamos tão atentos às canastras, ao adversário, aos jogos jogados, que não nos damos conta que estamos batidos e nem percebemos.

É preciso estarmos atentos. E, vez por outra, ajuda bastante sentar em um café e deixar que um amigo nos mostre o nosso próprio jogo.... Boa sorte, Fernanda. Boa sorte, jogadores.


Bibiana Xausa Bosak, Porto Alegre, 06 de Janeiro, 2010

terça-feira, janeiro 05, 2010

Historias da minha Vó 3#: Mario Quintana

* * *

Ontem fui ao shopping com a minha mãe e minha vó.
Enquanto esperava por elas fui às livrarias trocar meus vale-presentes de natal.
Comprei um lindo livro ilustrado com mini-poemas do Mário Quintana.

Minha avó se encantou com o livro e, recordando o passado, me disse:

"Sabe, eu me dava com ele. Quando ele ia ao kurotel, costumavamos caminhar.


Tenho uma história engraçada.
A Mafalfada, mulher do Érico (Veríssimo) costuma fazer meias para eles. 
Dava sempre meias para os dois.


Um dia, depois de ganhar um par de meias,
Quintana, muito docilmente, perguntou a ela:


 - Escuta Mafalda, tu pensa que eu sou centopéia?" 

Decididamente, adoro as histórias da minha avó.

segunda-feira, janeiro 04, 2010

Trânsitos Internos

* * *

Porto Alegre me olha com chuva outra vez: combina bem com os meus sentimentos.

Cheguei de viagem hoje. Desse vez, vim de ônibus. Foi bom, deu tempo de a minha alma chegar também. Ela chegou até antes, acho que foi a ansiedade de saber que havia transito e que a viagem demoraria mais que quatro horas. Minha alma tinha se preparado para quatro horas de transito, não seis. Não sei.

Olhando assim, para o reflexo dourado das luzes na rua, Porto Alegre se parece com qualquer cidade do mundo. Nova Iorque, Paris, são todas iguais neste sentido. São cidades.

Em cada janela de cada prédio um universo. Cada luz que se apaga a noite é uma alma que vai dormir: algumas contentas, outras tristes, outras preocupadas. As ansiosas permanecem acesas, almas que atravessam a sala de um lado para o outro esperando que nalguma das idas até a cozinha algo diferente aconteça que as traga calma, um copo d’água que lhes devolva a alma.

Este é o grande segredo de se ganhar o mundo. Ser um viajante é aperceber-se da humanidade em cada luz que se enche, cada copo que se acende. Encontrar o que há de comum à todas as luzes nos reflexos dourados das ruas do mundo e evitar engarrafamentos nos trânsitos intensos de sentimentos das madrugadas.




sexta-feira, janeiro 01, 2010

Primeiro Post de 2010: Uma Retomada de Consciência

Algumas pessoas nascem a frente de seu tempo: Marshall McLuhan foi uma delas.
Para os que não sabem, ele foi, talvez, o último grande teórico da comunicação. Um entusiasta das novas tecnologias, foi um grande estudioso dos meios de comunicação e preconizou muito do que hoje temos como o stablish das relações entre homens e meios.

Venho estudando muito de MuLuhan para o meu trabalho de conclusão de curso e, ainda assim, durante muito tempo, sua última teoria, a da aldeia global, me parecia um mistério. Não exatamente a teoria, mas o nome da teoria, não me era claro: Aldeia Global. Meu problema era o “aldeia”, por quê, exatamente, aldeia?

Mas as coisas se tornam mais claras para mim, pouco a pouco. Depois de ver Avatar, depois dos e-mails trocados entre mim e Léria, me parece um pouco mais claro o período no qual estamos ingressando, ou tomando consciência dele.

Para alguns, principalmente aqueles que viveram os valores hippies da década de 70 ou alguns simpatizantes da astrologia, tudo se resumiria, simplesmente, da denominação da Era de Aquário. Eu acredito bastante disso, acredito bastante no viver de uma nova era, uma era que demonstra valores comuns àqueles ditos de Aquário. Mas não me é suficiente para descrever o que vem passando pela minha cabeça, a maneira como passo a ver o mundo.

Ontem a noite, enquanto admirava a rua, os lixos, o asfalto e pensava em o que fazer com a bituca do meu cigarro, pensei no discurso do Grande Chefe Seattle. Foi como se a própria voz do Chefe ecoasse em mim, dizendo: O que acontecer com a Terra (aqui, a mãe Terra), acontecerá com os filhos da Terra. Isso foi o suficiente para que eu elaborasse um termo para o que estou vendo acontecer e para que, enfim, eu começasse a entender McLuhan.  

O que tenho visto acontecer, a maneira como tenho visto as pessoas pensarem sobre o mundo nas conversas que tenho tido, me leva a idéia de que estamos retornando, de alguma forma, a um estágio que denominei Consciência Tribal. Nos voltamos para uma compreensão do todo, vemos o mundo não como indivíduos, mas como partes interligadas de um todo que precisa ser mantido em fino equilíbrio. Bem como uma grande tribo terrestre, a viver, assim, em uma grande aldeia, uma aldeia global.

Tudo isso me leva a lembrar de um cartaz que vi colado em um muro de Porto Alegre outro dia. Dizia algo mais ou menos assim: “Sonho com o dia em que a humanidade atinja um estado de  consciência onde o homem não  mais pertença a si próprio”. Me parece fazer bastante sentido. É o fim de uma visão do homem como centro onipotente do universo a sua volta, e a retomada do homem como parte do todo que, como inquilino, ocupa uma parte. É uma consciência tribal.

É isso que desejo para 2010, que as pessoas, todas, vejam-se um pouco menos como importadoras soberanas dos universos, sejam eles o universo dos sentimentos, dos negócios, da natureza, das relações e que passem a ver-se como parte conectada e acreditem nisso. Quem conseguir, vai se dar conta: É um grande peso que nos sai dos ombros. Não ser fonte de tudo, não ser um centro com holofotes é um grande prazer, passamos a simplesmente estar: conectados e interligados. Desejo para 2010 que os que amo e os que não amo, por desconhecimento ou simples desgostar, passem a ver-se assim, tribo.

Entro o ano de 2010 com este desejo e deixo este post abrindo espaço e dando a palavra  ao Grande Chefe Seattle. Se eu soubesse dizer adeus em linha indígena, diria, como não sei, fica aqui o meu simples, até logo.


O que ocorre com a Terra recairá sobre os filhos da Terra.
Há uma ligação em tudo".


O grande chefe de Washington mandou dizer que desejava comprar a nossa terra, o grande chefe assegurou-nos também de sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não precisa de nossa amizade.


Vamos, porém, pensar em sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O grande chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano.


Minha palavra é como as estrelas - elas não empalidecem.


Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia nos é estranha. Se não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água, como então podes comprá-los? Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo, cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada véu de neblina na floresta escura, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo. A seiva que circula nas árvores carrega consigo as recordações do homem vermelho.


O homem branco esquece a sua terra natal, quando - depois de morto - vai vagar por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem esta formosa terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia - são nossos irmãos. As cristas rochosas, os sumos da campina, o calor que emana do corpo de um mustang, e o homem - todos pertencem à mesma família.


Portanto, quando o grande chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, ele exige muito de nós. O grande chefe manda dizer que irá reservar para nós um lugar em que possamos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, vamos considerar a tua oferta de comprar nossa terra. Mas não vai ser fácil, porque esta terra é para nós sagrada.


Esta água brilhante que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas sim o sangue de nossos ancestrais. Se te vendermos a terra, terás de te lembrar que ela é sagrada e terás de ensinar a teus filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os eventos e as recordações da vida de meu povo. O rumorejar d'água é a voz do pai de meu pai. Os rios são nossos irmãos, eles apagam nossa sede. Os rios transportam nossas canoas e alimentam nossos filhos. Se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar e ensinar a teus filhos que os rios são irmãos nossos e teus, e terás de dispensar aos rios a afabilidade que darias a um irmão.


Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um lote de terra é igual a outro, porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de a conquistar, ele vai embora, deixa para trás os túmulos de seus antepassados, e nem se importa. Arrebata a terra das mãos de seus filhos e não se importa. Ficam esquecidos a sepultura de seu pai e o direito de seus filhos à herança. Ele trata sua mãe - a terra - e seu irmão - o céu - como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelha ou miçanga cintilante. Sua voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto.


Não sei. Nossos modos diferem dos teus. A vista de tuas cidades causa tormento aos olhos do homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que de nada entende.


Não há sequer um lugar calmo nas cidades do homem branco. Não há lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das assa de um inseto. Mas talvez assim seja por ser eu um selvagem que nada compreende; o barulho parece apenas insultar os ouvidos. E que vida é aquela se um homem não pode ouvir a voz solitária do curiango ou, de noite, a conversa dos sapos em volta de um brejo? Sou um homem vermelho e nada compreendo. O índio prefere o suave sussurro do vento a sobrevoar a superfície de uma lagoa e o cheiro do próprio vento, purificado por uma chuva do meio-dia, ou recendendo a pinheiro.


O ar é precioso para o homem vermelho, porque todas as criaturas respiram em comum - os animais, as árvores, o homem.


O homem branco parece não perceber o ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensível ao ar fétido. Mas se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar reparte seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida, também recebe o seu último suspiro. E se te vendermos nossa terra, deverás mantê-la reservada, feita santuário, como um lugar em que o próprio homem branco possa ir saborear o vento, adoçado com a fragrância das flores campestres.


Assim pois, vamos considerar tua oferta para comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, farei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.


Sou um selvagem e desconheço que possa ser de outro jeito. Tenho visto milhares de bisões apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante do que o bisão que (nós - os índios ) matamos apenas para o sustento de nossa vida.


O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais, logo acontece ao homem. Tudo está relacionado entre si.


Deves ensinar a teus filhos que o chão debaixo de seus pés são as cinzas de nossos antepassados; para que tenham respeito ao país, conta a teus filhos que a riqueza da terra são as vidas da parentela nossa. Ensina a teus filhos o que temos ensinado aos nossos: que a terra é nossa mãe. Tudo quanto fere a terra - fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles próprios.


De uma coisa sabemos. A terra não pertence, ao homem: é o homem que pertence à terra, disso temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará.


Os nossos filhos viram seus pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, envenenando seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias - eles não são muitos. Mais algumas horas, mesmos uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra ou que têm vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.


Nem o homem branco, cujo Deus com ele passeia e conversa como amigo para amigo, pode ser isento do destino comum. Poderíamos ser irmãos, apesar de tudo. Vamos ver, de uma coisa sabemos que o homem branco venha, talvez, um dia descobrir: nosso Deus é o mesmo Deus. Talvez julgues, agora, que o podes possuir do mesmo jeito como desejas possuir nossa terra; mas não podes. Ele é Deus da humanidade inteira e é igual sua piedade para com o homem vermelho e o homem branco. Esta terra é querida por ele, e causar dano à terra é cumular de desprezo o seu criador. Os brancos também vão acabar; talvez mais cedo do que todas as outras raças. Continuas poluindo a tua cama e hás de morrer uma noite, sufocado em teus próprios desejos.


Porém, ao perecerem, vocês brilharão com fulgor, abrasados, pela força de Deus que os trouxe a este país e, por algum desígnio especial, lhes deu o domínio sobre esta terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é para nós um mistério, pois não podemos imaginar como será, quando todos os bisões forem massacrados, os cavalos bravios domados, as brenhas das florestas carregadas de odor de muita gente e a vista das velhas colinas empanada por fios que falam. Onde ficará o emaranhado da mata? Terá acabado. Onde estará a águia? Irá acabar. Restará dar adeus à andorinha e à caça; será o fim da vida e o começo da luta para sobreviver.


Compreenderíamos, talvez, se conhecêssemos com que sonha o homem branco, se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais as visões do futuro que oferece às suas mentes para que possam formar desejos para o dia de amanhã. Somos, porém, selvagens. Os sonhos do homem branco são para nós ocultos, e por serem ocultos, temos de escolher nosso próprio caminho. Se consentirmos, será para garantir as reservas que nos prometestes. Lá, talvez, possamos viver o nossos últimos dias conforme desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará vivendo nestas floresta e praias, porque nós a amamos como ama um recém-nascido o bater do coração de sua mãe.


Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Proteja-a como nós a protegíamos. "Nunca esqueças de como era esta terra quando dela tomaste posse": E com toda a tua força o teu poder e todo o teu coração - conserva-a para teus filhos e ama-a como Deus nos ama a todos. De uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus, esta terra é por ele amada. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.