quarta-feira, março 03, 2010

Copos Nunca Vazios

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Fui a um show esses tempos, faz uma semana. Show internacional, artista diva consagrada da música pop atual, o tipo de evento que, se não para qualquer outro fim, serve para colocarmos no nosso curriculum vitae de bons vivants e garantir nossos carimbos como pessoas que aproveitam a vida. O show foi em Florianópolis e eu me instalei em Jurerê, acolhida pela minha madrinha, em uma cobertura de frente para o mar. Da sacada via-se o mar azul esverdeado cheio de barcos e velas e lanchas e, só de olhar, já me sentia feliz. É claro que um dia ainda quero ter um barco cheio de mar e cheio de vela para chamar de meu, mas, por enquanto, me sinto vivendo só de ter uma sacada de onde se veja os barcos.

Fui ao show com meu primo e seus amigos que, cheios de adolescência, queriam enfiar-se entre a multidão. Eu e minhas barbas já prematuramente brancas, como não compartilhando mais desse mesmo prazer pelo suor humano, decidimos por nos separar do grupo. Assim, sozinha entre os milhares que se aglomeravam pra ver o show, pensei que poderia me entreter com algum tipo de aventura. Decidi que a área vip parecia um bom lugar para uma baixinha como eu acompanhar o evento. Me aproximei da entrada e descobri uma brecha por onde vips entravam e saiam sem muito controle. Tratei logo de fazer amizade com o segurança e convencê-lo de que, diferente dos outros tantos adolescentes que também tentavam a sorte, eu estava sozinha e "merecia" entrar. Como me deu esperanças - "talvez mais tarde..." - puz-me a espreita pelo momento mais oportuno para voltar a insistir. 

Como um felino caçador, me disfarcei em um lugar distante, de onde pudesse observar sem chamar a atenção. Acompanhei o tráfego de pessoas que entravam e saiam e eram barradas e me familiarizei com o funcionameto da hierarquia da segurança. Nos momentos que me pareciam oportunos, investi e, 3 tentativas mais tarde, entrei na área vip com recomendações - " vai pelo canto e, se te perguntarem, diz que tu és convidada do Sr. Fulano". Os camarotes eram dividos em baias, cada um pertencente a um anfitrião, cujos convidados eram identificados pelas cores das pulseiras. Eu, como não tendo pulseira nenhuma, logicamente, me senti com acesso livre a todas as baias.Escolhi uma que oferecesse uma visão sem obstáculos do show e, pouco depois, descobri oferecer champagne e sanduíches de salmão como cortesia dos anfitriões. Fui saber depois tratar-se do camarote gold. Enquanto via a apresentação da artista, uma garçonete muito simpática, de nome Cíntia, tocava nos meus ombros com frequência para preencher minha taça. Isso me fez pensar sobre meios e fins.

Vejo uma grande quantidade pessoas que passam as suas vidas a querer mais e mais dinheiro, ou mais e mais poder, mas não me parece que poder e dinheiro sejam fins em si. Me parecem apenas meios. E para que fim? Muitas das pessoas que observo ávidas por divisas não parecem usufruir destas, parecem, ao contrário, estressadas, preocupadas, ansiosas, quase que como em uma síndrome de Tio Patinhas. Como se uma pilha de dinheiro lhes dar prazer, ou afeto, ou confortar-lhes. Claro que considero dinheiro fundamental, mas acho que ele deve ser visto como o que é: uma ferramenta para nos proporcionar o prazer de viver. Cada um com suas ambições particulares, evidente, mas, vendo o espetáculo sozinha, acompanhada de "luxos roubados", me dei por conta das minhas ambições, o joie de vivre, como chamam os franceses.

Quero viver minha vida de forma a sentir e proporcionar o prazer de viver àqueles a minha volta; e tenho a sorte de ter alguns comparsas que compartilham deste mesmo desejo de viver uma vida, como no camarote, de copos nunca vazios. Nunca vazios de esperanças, de conquistas, de aprendizados e evoluções, de amigos, de sorrisos e de lágrimas, copos nunca vazios de sempre nos levantarmos, não importa quantas vezes se caia. Este me parece um bom jeito de se viver.

Saúde!

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Texto de uns milênios atrás, mil novecentos e show a Beyoncê em Floripa.