Tudo aconteceu de manhã.
Era negro. Absolutamente negro. Olhos verdes. Absolutamente verdes.
Olhava como se já soubesse tudo. Olhava como se fosse impossível esconder-lhe qualquer coisa que fosse.
* * *
Vinha da noite. Acordara a tremer. A bebida ainda não lhe havia saído do corpo.
Seguia a rotina normal. Absolutamente rotina. Sua absolutamente não rotineira, rotina.
Toca o despertador.
Mãos a bater no criado mudo, procurando, no escuro, emudecer aquela coisa infernal a lhe atrapalhar o sono.
Isso era igual em qualquer lugar. Dentro de todo o caos em que vivia o ato de depositar seu mau humor matinal no despertador era uma constante, uma regra na sua vida sem regras.
Achou, com as mãos, o barulho. Considerou ignorar seus compromissos. Já acordada, considerou não acordar. Desligou o despertador. Não conseguiu mais dormir.
Quase uma hora depois, movida pela imensa sede que sempre se segue a uma noite etílica, fez o corajoso ato de levantar-se.
Olhou o relógio. "Será que ainda dá tempo?". Considerou ignorar seus compromissos. "É, ainda dá tempo...".
Seguiu-se de atos banais: Banhar-se, escovar-se, pentear-se, vestir-se. Vestir-se.
Foi a janela sentir o ar.
* * *
Tudo acontece de manhã.
Era negro. Absolutamente negro.
Olhos verdes. Absolutamente verdes.
Olhos verdes que se opunham aos dela.
Olhos negros. Absolutamente negros.
E se encontraram os olhos.
Negro. Estático. Imóvel. Somente aqueles farois verdes a fitá-la eram suficientes. Nem um movimento sequer, somente olhava. E olhava como se já soubesse de tudo. Olhava como se fosse impossível esconder-lhe qualquer coisa que fosse.
Pararam e, durante aqueles dez segundos, o tempo parou. Entenderam-se com perfeição. Distantes por metros sentiram-se como se fossem parte um do outro.
Piscou os olhos em um movimento lento, muito lento e, os olhos fechados faziam dele apenas mais uma imensa e enfeitiçante mancha negra. Voltou a abrí-los e foi como se fosse um feiticeiro a fazer encantos somente com os olhos...
* * *
Lembrou-se de que tinha aula. Lembrou-se de que tinha que vestir-se. Virou de costas para retornar segundos depois. Chegou a tempo de lhe pegar de saída. Já estava de costas. Fitaram-se mais uma vez.
Ele imóvel. Ela não. Foi tratar de vestir-se.
Sim, voltou. Mas quando voltou, ele já não estava mais lá.
Era um nômade, um errante, um cigano. Como ela. Aquela não era a sua casa. Como ela. Estavam os dois lá por acaso, por engano.
Estava atrasada. Tratou de correr. A passos rápidos pelo caminho ainda pensava nequela figura negra de olhos luminosos. Sentiu-se como se tivesse encontrado uma parte sua, olhar para ele era como olhar para um espelho. Baixou a cabeça. Checou o relógio.
"Aquele gato era eu".
E pegou o ônibus.
Stranger, meet blue side. Blue side, meet stranger. . . . . . . Escrevendo em Guardanapos | Colocando em Moleskines | Pensamentos Perdidos | Achando lugar pra Pousar.
quarta-feira, março 29, 2006
quarta-feira, março 08, 2006
Era um bom dia pra mudar sua vida
Tomava um conhaque num canto da cidade. A cada trago, fazia cara feia. Sentia mesmo era falta de chocolate, mas disfarçava. Ela era um mulher fatal, pois era e, portanto, o conhaque era o seu melhor amigo.
Cabelos curtos, lisos, um castanho avermelhado. Vestido preto, de alcinhas, cruzava nas costas. Costas magras. Mas não se enganem, não era uma deusa: Era uma mulher que tomava um conhaque.
Distribuiu sorrisos para uns conhecidos. Para outros, envergonhou-se, virou o rosto rápido.
Deu um gole, curto, seco. Fez cara feia, pensou: “Queria um chocolate”.
Queria também que ele se aproximasse. Imbecil, continuava com os amigos. Olhava bastante, mas lhe oferecer um chocolate que era bom...lhufas.
Olhou pro conhaque. Girou o conhaque. Pensou no conhaque.
* * *
Fazia nada naquela noite, como de costume. Pensou: “Hoje era um bom dia para mudar minha vida...”. Resolveu ir para o banho. O banho sempre lhe clareava as idéias.
- Ui, tá frio!
- Droga, não esquenta.
- Ai! Ai! Tá quente! Ta quente!
Shampoo. Sabonete. Viu seus rastros no sabonete. Os homens sempre deixam rastros... Começou a ensaboar-se.
- Bonecão do posto, tá maluco ta doidão...
- Besa-meeee! Besa-meeee muchoooo...
Largou o sabonete. Escreveu sei nome no box embassado. Virou o rosto para cima. Deixou que a água lhe tocasse a face, lhe levasse os cabelos.
- Besa-meeee! Besa-meeee muchoooo...
- Brrrrrr!
Sacudiu a cabeça. Pegou a toalha. Se secou. Passou a mão no espelho para poder se enxergar. Fez cara de galã, de mau. Contraiu os músculos. Se vestiu.
Havia decido ir no João, ia encontrar o pessoal, eles sempre estão lá.
Olho pro perfume, ponderou... “Ná, pra que gastar? Só vou ali no Jõao.”.
Abre a porta. Sai. Fecha a porta. Desce a escada. Caminha. Abre a porta. Sai. Fecha a porta. Cai no degrau. Caminha. Abre o portão. Sai. Fecha o portão. Caminha.
Dobrou a direita na esquina. No meio da quadra, direita de novo: o João. O pessoal estava lá, eles sempre estão lá.
Sentou. Riu.
- Ô Marcão!
- Fala chefe!
- Mais uma, por favor.
Ele queria algo mais forte, afinal, hoje era um bom dia para mudar sua vida. Mas todos bebiam cerveja, pediu uma.
- Ô Catraca, vê mais uma aí. E um conhaque para a mesa dois. Ô Zé, dá um chocolate aí!
“Conhaque. Era exatamente o que eu queria”.
Era exatamente o que ele queria. Virou-se pra ver quem era a mesa dois.
* * *
- Brigada Marcão. – Ela disse.
Viu o chocolate.
- Pra quem é esse chocolate?
- Alí pra mesa quinze.
“Chocolate. Era exatamente o que eu queria”. Era exatamente o que ela queria. Virou-se para ver quem era a mesa quinze.
Queria também que ele se aproximasse. Imbecil, continuava com os amigos. Olhava bastante, mas lhe oferecer um chocolate que era bom...lhufas.
Olhou pro conhaque. Girou o conhaque. Pensou no conhaque.
* * *
“Vou? Não? Vou! Não... Vou! Ai merda, to sem perfume.”.
* * *
- Tchau, Marcão.
E ele olhou a tempo de ver o X do vestido desaparecendo na porta...
Aquele era um bom dia para mudar sua vida. Se ao menos ele estivesse de perfume...
Cabelos curtos, lisos, um castanho avermelhado. Vestido preto, de alcinhas, cruzava nas costas. Costas magras. Mas não se enganem, não era uma deusa: Era uma mulher que tomava um conhaque.
Distribuiu sorrisos para uns conhecidos. Para outros, envergonhou-se, virou o rosto rápido.
Deu um gole, curto, seco. Fez cara feia, pensou: “Queria um chocolate”.
Queria também que ele se aproximasse. Imbecil, continuava com os amigos. Olhava bastante, mas lhe oferecer um chocolate que era bom...lhufas.
Olhou pro conhaque. Girou o conhaque. Pensou no conhaque.
* * *
Fazia nada naquela noite, como de costume. Pensou: “Hoje era um bom dia para mudar minha vida...”. Resolveu ir para o banho. O banho sempre lhe clareava as idéias.
- Ui, tá frio!
- Droga, não esquenta.
- Ai! Ai! Tá quente! Ta quente!
Shampoo. Sabonete. Viu seus rastros no sabonete. Os homens sempre deixam rastros... Começou a ensaboar-se.
- Bonecão do posto, tá maluco ta doidão...
- Besa-meeee! Besa-meeee muchoooo...
Largou o sabonete. Escreveu sei nome no box embassado. Virou o rosto para cima. Deixou que a água lhe tocasse a face, lhe levasse os cabelos.
- Besa-meeee! Besa-meeee muchoooo...
- Brrrrrr!
Sacudiu a cabeça. Pegou a toalha. Se secou. Passou a mão no espelho para poder se enxergar. Fez cara de galã, de mau. Contraiu os músculos. Se vestiu.
Havia decido ir no João, ia encontrar o pessoal, eles sempre estão lá.
Olho pro perfume, ponderou... “Ná, pra que gastar? Só vou ali no Jõao.”.
Abre a porta. Sai. Fecha a porta. Desce a escada. Caminha. Abre a porta. Sai. Fecha a porta. Cai no degrau. Caminha. Abre o portão. Sai. Fecha o portão. Caminha.
Dobrou a direita na esquina. No meio da quadra, direita de novo: o João. O pessoal estava lá, eles sempre estão lá.
Sentou. Riu.
- Ô Marcão!
- Fala chefe!
- Mais uma, por favor.
Ele queria algo mais forte, afinal, hoje era um bom dia para mudar sua vida. Mas todos bebiam cerveja, pediu uma.
- Ô Catraca, vê mais uma aí. E um conhaque para a mesa dois. Ô Zé, dá um chocolate aí!
“Conhaque. Era exatamente o que eu queria”.
Era exatamente o que ele queria. Virou-se pra ver quem era a mesa dois.
* * *
- Brigada Marcão. – Ela disse.
Viu o chocolate.
- Pra quem é esse chocolate?
- Alí pra mesa quinze.
“Chocolate. Era exatamente o que eu queria”. Era exatamente o que ela queria. Virou-se para ver quem era a mesa quinze.
Queria também que ele se aproximasse. Imbecil, continuava com os amigos. Olhava bastante, mas lhe oferecer um chocolate que era bom...lhufas.
Olhou pro conhaque. Girou o conhaque. Pensou no conhaque.
* * *
“Vou? Não? Vou! Não... Vou! Ai merda, to sem perfume.”.
* * *
- Tchau, Marcão.
E ele olhou a tempo de ver o X do vestido desaparecendo na porta...
Aquele era um bom dia para mudar sua vida. Se ao menos ele estivesse de perfume...
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