O grito da Lua
(A Luz do Dia no Cairo)
Cairo é uma cidade amontoada. A falta de cuidado e o estado deteriorado de todas as coisas se fazem notar a todo instante. As pirâmides, sendo engolidas pela cidade trazem a tradução visual da sensação constante de que a agressividade do islã sufocou completamente o misticismo dos antigos deuses. É como se a Lua e as estrelas gritassem, ou melhor, tossissem, sufocadas pela poluição do céu. Gritos esses emudecidos, infelizmente, pelo ruído ensurdecedor das buzinas.
Engraçado como toda essa bagunça generalizada parece não se encaixar. É como se o Egito fosse dois filmes sobrepostos, que não se relacionam de maneira alguma. Não sei se fui eu ou se foi o Egito, mas, com certeza, algo mais foi perdido com os livros de Alexandria.
A sensação é de que a globalização é um gigante visivelmente fazendo força para se impor sobre outro gigante que, por detrás da negra burca, se mantém irredutível e imutável. Toda esta guerra sobre o manto cor Areia que ainda mantém no céu estrelado e no que sobrou do deserto o misticismo da música dos velhos deuses.
E eu, no meio disso? Eu pinto a minha cara e ponho o meu turbante, como um tuaregue, atravessando meu próprio deserto...
Um pensamento me ocorreu agora: Que essa perda das suas próprias raízes parece, pouco a pouco, levar o país a repetir a sua própria história e, como Cleópatra, acabar por liderar a serpente contra o seu próprio peito.
(Isto é o que me revela a luz do dia no turbulento e caótico Cairo, a luz que mostra mais do que deveria. Mas nem tudo esta perdido, ainda há a noite no Egito, aaaa a noite e, durante a noite, Osíris e Isis ainda cantam mais alto.)
Bibiana Xausa Bosak - Cairo - set/2006
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