sexta-feira, março 02, 2007

Fernando Meirelles e a Ignorância dos Educados

Sempre achei que Cidade de Deus fosse, sim, um ótimo filme, muito bem feito e etc, mas somente mais um filme sobre a miséria do nosso país. Parecia-me miserável só falar sobre a nossa miséria. Sei lá, eu achava que eles deveriam internacionalizar o nosso cinema, hollywoodezá-lo, se preferirem. Torná-lo mais clássico e comercial, mostrar o Leblon ao invés de Cidade de Deus, é ali do lado mesmo... E eu não me considerava ignorante.

Então eu, que não me considerava ignorante, fui viajar e me aventurar e descobrir e aprender e acabei por descobrir e aprender que eu ignorava a própria ignorância, em um sentido bastante estranho. Nós, terceiro-mundistas, subdesenvolvidos e o escambau costumamos entender muito e palestrar e até ignorar (no sentido de fingir inexistente) a ignorância dos não educados, dos quase 90% da nossa população que não tem acesso a escola, livros, bons lençóis, saneamento básico, comida não podre ou dignidade. E esta condição era bastante conhecida e, devo admitir, banalizada, por mim, assim como por, ouse dizer, 99,9% das nossas classes Média e Alta que, por comodismo, ou hipocrisia, continua a culpar o governo.

Porem viajar me fez conhecer a ignorância dos ricos. Não ricos alienados e estúpidos, pessoas inteligentes, bem informadas e educadas, meus amigos. “La crèm de la crèm” em seus paises de origem, e que, exatamente por serem destes países, desenvolvidos e evoluídos em condições sócio-culturais e estruturais, simplesmente desconhecem pura e completamente não o significado (pois este todos aqueles que não vivenciam desconhecem) mas, num sentido muito mais básico, desconhecem o próprio visual da miséria. Consideram favela um conceito e não uma realidade.

E então a minha opinião sobre Cidade de Deus e Fernando Meirelles mudou radicalmente. Tive que sair do meu país para entendê-lo e deixar de ignorar a ignorância para passar a compreender que o nosso cinema ficcio-documental vale muito e que mostrar a parte mais suja e feia da nossa realidade não é expor o nosso país de maneira negativa e, sim, expor a humanidade à sua própria sujeira e feiúra. É um passo a mais para tornar o mundo consciente do estado de total deterioração social que vivemos e que não é somente brasileiro, mas mundial. E é não função periférica, mas o dever primordial da arte em si, fazê-lo, ainda mais quando feito com maestria e sensibilidade, juntando o drama social e real ao drama humano e ficcional que dá interesse a trama, como fez Fernando.

Portanto e enfim, um viva ao cinema brasileiro por um mundo melhor, um viva a Fernando Meirelles e um viva a uma Bibiana um pouco menos ignorante.

Bibiana Xausa Bosak – Cairo – set/2006

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