segunda-feira, dezembro 28, 2009

Sentimentos #3: A Lua e o Tempo

Era um senhor muito distindo esse tal.  Mas é bem verdade que, de quando em quando, falavam dele entre bocas. Tinha uma função um tanto peculiar: sua ocupação era passar. Passar.
Embora passasse sozinho, tendo cuidado para não esbarrar em ninguém, havia sempre aqueles que diziam:

 - Ah, mas como demora. Queria que passasse mais rápido.
Ou, ainda, aqueles que diziam:
- Nossa, já?! Mas eu nem vi passar.

Sentia-se meio frustrado, pois parecia que todos aqueles que não eram nada mais que desconhecidos, que nunca haviam se preocupado em pensar sobre ele, ainda assim se davam ao direito de dirigir-lhe críticas sobre sua velocidade e se davam ao luxo de nunca estarem satisfeitos.

Talvez se um dia parassem, quem sabe poderíam até se dar conta do quão prazeirosas são suas passadas. Mas não. Os poucos que se atentam a uma observação superficial são porque estão a se preocupar com a chegada, ou a parte já passada, mas não olham como quem quer ver.

Pobre tal, parecia que vivia uma vida, a dizer, solitária, passando e passando. Mas é verdade que também mantinha algumas companhias constantes. Havia esta tal, da qual vos falo, que parecia estar sempre com ele. Sempre, que digo, é sempre ao escuro, que é quando ela se mostra. Não sei ainda se é tímida ou exibida, mas o fato é que só aparece ao cair do manto e, ainda assim, tem períodos em que lhe convém aparecer mais e, em outros, menos, deixando-nos à margem do seu prazer.

Mesmo que não se falassem, ela cumpria o seu papel de fazê-lo companhia somente ao vê-lo passar. E, assim, se acompanhavam um ao outro: enquanto ele passava, ela o contemplava; enquanto, ironicamente, todos pensavam estar contemplando a ela era ela que os vigiava.

Branca, reluzente, redonda, mas de forma variada. Particularmente a mim, me agrada quando se parece com um sorriso, inundado de malícia.

Mas hoje se apresenta por trás de véus, faz mistério. E brilha. Os véus negros ondulam-lhe por frente à face e, quando ela se permite revelar, vejo, além da pele, um prata de uma luz que a circunda e enche de vida o manto negro que a acolhe ao fundo.

Foi ela quem me chamou a atenção. Veio e disse:
- Ei, olha ele ali, passando!

E foi então que vi. Mas tive que olhar com atenção, porque nesses tempos que se seguem, ele tem passado tão rápido que nem o vejo mais. Quando vi, já se foi e já veio ele outra vez. Na verdade, a essas tantas, nos encontramos mais é nos cruzamentos. Eu passo, passo, passo. E ele, tão rápido, passa, passa, passa.

Logo que nasci, parece que acordamos em passar em passar a minha vida inteira brincando de pega-pega. É a minha vez de pegar, já faz 18 anos que é a minha vez de pegar. Mas, às vezes, me distraio da brincadeira e nem o vejo passar.

Tem horas que me canso, respiro rápido e me acelera o peito. Mas, daí, olho pro lado e penso: 18, ele ainda está correndo a meu favor.

Alice corre atrás do coelho, o coelho corre atrás do senhor. O senhor, dentro do crocodilo, persegue o capitão. O capitão perdeu o jogo. E eu aqui, já pequena, sonho em ser Peter Pan.

Ainda falta muito do caminho, mas uma coisa já possuo: descobri dentro de mim, uma fábrica inteira de pó de Pirilim pim pim.

Porto Alegre, mil novecentos e eu ainda tinha 18 anos.

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