sexta-feira, novembro 06, 2009

Palavras de Outros


Em um livro de Elisa Lucinda encontrei algumas palavras de Mário, o Quintana. E esse texto começa assim, com palavras de outros.  Disse o poeta:

"Não faço versos a ti,
faço versos de ti."

Faz tempo que estou para postar aqui um poema que não é meu. Eu ia postar agradecendo e fazendo honras ao poeta que havia feito um poema a mim. Mas não me soava bem, algo me impedia de escrever. Algo que Mario, ahora, traduz.

O poema não foi feito a mim. Um poema nunca é feito a ninguém, ele é feito ao vento, às páginas, é feito ao universo dos enamorados e dos solitários, o bom poema é feito das entranhas do autor para as estranhas lentes do leitor.

Portando, agora sei que tenho algo muito mais valiosos do que um poema para mim. Tenho um poema feito de mim. Do meu barro e das minhas costelas saiu, pelas mãos de outro, poesia. Imagino poucos coisas mais carnais do que isso.

Poema de mim:

"As primas não deixarão de ser veras
Teu bote ainda me matará
Tua língua não deixará de falar
Importantes recados


Diz-me tu
Que alma é essa?


Fala-me dos teus acasos

Já  não és quem nunca foste
Já, amante, és errante
E erra feio em ser só


Amante."



(Lucas DallaCosta. Um dia sem hora. Deitados.)



terça-feira, novembro 03, 2009

Minha alma formiga



Hoje a noite estou sendo má.
Mas, por favor,
não me levem a mal
os anjos.
É que meu coração pede tempo
pra pensar.

Não me convide duas vezes
para roubar um banco.
Por favor,
não insista
em me oferecer chocolates.

É minha alma formiga
que mesmo farta de flores,
não consegue negar o afago
da possibilidade
de uma escassez de inverno.

E onde já se viu,
guardar sentimentos embaixo do colchão?

Pode ser egoísmo
ou até mesmo avareza.
Mas bem no fundo do formigueiro,
nada mais é,
do que pura solidão.

Cigarros em Trânsito



A sinaleira está verde, mas os carros não andam.
É a volta do horário de almoço marcada pelos trânsitos lentos da vida.

Demorei para comoçar a escrever esse texto, estava fumando um cigarro.
Eu gosto de fumar em trânsito.
É um mau hábito, eu sei, mas não me julguem mal.
Eu não sou uma má pessoa, sou só uma boa pessoa com alguns maus hábitos. Acontece.

Mas falavamos de cigarros.
Esses palitos brancos de fixação oral recheados de veneno me parecem mais que chocolates para gente adulta. Parecem, a mim, como doses homeopáticas de cicuta para o dia a dia. Sublinhando, como caneta marca-texto, as pequenas mortes da minha rotina.
São marcadores de tempo. São terapeutas. São o trânsito dos estados.

14:00 horas. Morte de mais um intervalo de almoço. Um cigarro.
19:00 horas. Engarrafamento. Morre mais um dia de stress. Um cigarro.
Pausa para esfriar a cabeça (cigarro é o álibi dos estafados). Um cigarro.
Sexo. Para os franceses, mais uma pequena morte. Um cigarro.

Cigarros vivem em nossos momentos de trânsito,
a ouvir, atentos, nossas emoções oscilantes.
E são bons companheiros, participam, interagem, aconselham.
Como falam os cigarros.