domingo, fevereiro 20, 2011

Corsica II & III

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Corsica II

"We fought, we loved,
we won, we lost"
Léria




O dia ontem foi incrivelmente longo. Léria e o namorado me buscaram na cidade (com algum atraso por causa da neve na estrada para as montanhas) perto das 9 horas. Não paramos de conversar e fazer coisas até às 2 da manhã. Incrível, surpreendente, familiar, confortável. Um sentimento muito grande de "propriedade" e de pertencimento. 

Fizemos das coisas mais prosaicas às mais profundas. Fomos no super comprar bolo porque era aniversário da Léria, fizemos compras na rua, conversamos sem parar. A Léria, como eu já sabia, tem um engajamento político muito forte em relação à Africa, conversamos muito sobre isso, as questões sociais, colonialistas, culturais, etc, etc, etc. O namorado dela é formado em Arqueologia Egípcia e tem mestrado em história do oriente-médio e do leste-mediterrâneo, mas hoje ele quer construir carreira como ambientalista e documentarista ambiental. A Léria é formada em Literatura Clássica e Filosofia com mestrado em diplomacia e relações internacionais com dissertação sobre o potencial de desenvolvimento econômico da Africa. Expostos os currículos, dá pra imaginar como foram as nossas "conversas de bar". 


Mas o mais legal disso tudo é que, ao mesmo tempo em que falamos sobre coisas serríssimas e discutimos assuntos mega profundos (com algumas tentativas frustradas de tentar descobrir a fórmula para a paz mundial), também falamos todo o tipo de besteiras (tendo dedicado horas para Harry Potter, diga-se). Tudo com a intimidade de amigas de infância, me mostrando que os 5 anos que passamos sem nos ver parecem não ter tido nenhuma importância se não para tornar a saudade e a relevância do encontro maiores.

Aprendi coisas incríveis sobre a Corsica também. Aprendi como o sistema francês de divisão do patromônio de herança em cotas iguais entre os irmãos acabou com a aristocracia corsa (mesma coisa do Brasil, faz-se nota); aprendi que a ilha já foi um país independente, depois pertenceu à Gênova (antes da unificação italiana), depois a Inglaterra e, finalmente, a França; hoje é francesa e as placas são escritas em francês e em córsico, que é um dialéto italiano. Os nativos, muito bairristas, pixaram todos os ditos em francês, deixando somente as informações em córsico visíveis.

Também aprendi que "vendetta" é uma palavra corsa que denomina a ação de vingança específica que se dá em caso de quebra do código de honra próprio da ilha, que serve como uma lei oral. A Léria disse que está acontecendo uma vendetta em uma vila próxima a dela e que ela conhece pessoas que sabem que estão marcadas para morrer. Tudo isso me soa extremamente hollywoodiano, mas arte ou vida, quem imita quem?

De noite juntou-se a nós uma amiga da Léria chamada Jaki, australiana, trabalha com produção de rtvc específicamente pra produções fotográficas na BBDO de Londres. Jaki é tão loira que quando a vi pela primeira vez quis colocar os óculos escuros. 2 metros de altura e pernas expostas em uma mini-micro-saia - mesmo fazendo 0º lá fora....

Mas, apesar da gritante cara de vagabunda, a menina se provou uma caixinha de surpresas positivas, cheia de histórias interessantíssimas e opiniões muito sagazes. Uma coisa achei interessante: estavamos conversando sobre uma situação que aconteceu com a Léria onde ela se viu obrigada a impor respeito em relação a um senhor que tem relações com a família e estava passando dos limites. Trocavamos opiniões a respeito e Jaki foi categória e absolutamente acertiva em sua análise e conselhos sobre como lidar com a situação, me fazendo perceber que, mesmo que a primeira vista tenhamos a impressão de que as gostosonaszérrimas são facilmente influenciáveis e também (desculpem a franqueza) facilmente comíveis, elas, exatamente pelo assédio fortíssimo que devem sofrer, são em verdade as que melhor sabem lidar com estas situações e impor seus limites frente aos homens: acho que temos todas muito a aprender com elas.

De noite, sonhei com discos voadores e cachorros falantes... 

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Corsica III

Não sei bem o que escrever.

Acabo de ter uma conversa com um tripulante português e as palavras me soam na mente em português de Portugal. Estou mais uma vez no barco, retornando para Milão. Ví, vivi e se senti tantas coisas que acho que demoraria um mês em retiro somente para absorver este último final de semana. A maior das coisas, com certeza, foi reencontrar uma alma amiga, uma alma irmã, uma irmã. 



Quando nos despedimos no aeroporto a mãe dela, Francine, disse: everybody loves Bibi"e acho que isto marca também o início do meu reencontro comigo. Me sinto incrível, acho que não há muito mais como descrever.

Desde a primeira vez na ferry, na viagem de ida, pensei que não é mal o trabalho de ser tripulação. E então e lembro e me dou conta que não preciso mais ser tripulação para viver estas experiências. Já sou passageira, não preciso vender mais meu trabalho como única moeda que tenho para usufruir disto: já posso usufruir como fruto do meu trabalho. E pensar este pensamento me faz abrir sempre um sorrisão infinito e quase me leva às lágrimas. Assim como me leva as lágrimas pensar no meu reencontro com esta amiga.

Este tempo que passei na Córsica foi um período de conforto e verdade, de fazer amigos e de sentir que não preciso ser nada além do que sou para ser gostada. 




Uma frase e um pensamento de ontem ressoam fortes ainda, em um momento de troca, conversa e cumplicidade entre Léria e eu: que a vida tem me reafirmado que devo sempre agir da forma como sinto e acredito e que o tempo has proving me right more than once, paying me back in a currency I understand".

Mesmo que demorem, o pagamento, a prova, a felicidade: eles vem.

Um comentário:

Amanda Palma disse...

Bibi!

Sigo me atualizando sobre tua viagem... Mesmo que não comente...
Não deixa de escrever!

Beijos

Amanda