segunda-feira, outubro 05, 2009

Filhos da Burguesia - A redenção



Bed of Dreams
Artist: http://www.kathysart.com/Earth_Goddess_Art_Bed_of_Dreams.html


Sempre me senti um pouco perseguida pelo fantasma das boas idéias (minhas ou de outrem) que tornavam-se vapor por falta de investidores. Desejei muito um mundo de Venture Capitalists que se dedicassem a ser mecenas das artes e das pessoas de talento.  Lia livros sobre milionários extravagentes e desejava em segredo conhecer algum que acreditasse nos talentos que conheço e, algumas vezes, nos meus próprios talentos. Mas meus desejos de apadrinhamento, bem como minhas idéias, provaram-se sempre voláteis à economia.

Mas hoje a burguesia se redime. Há alguns dias escrevi um texto reacionário sobre a frivolidade da burguesia aos 16 anos e, no entanto hoje, me encontro contradita. Passa-se que fui hoje a um encontro de sociedade. Para a aniversariante, apenas uma reunião de amigas de longa data; para mim, dentro de um olhar de dentro, uma festa com boa comida, boa champagne, algumas caras conhecidas e muitas caras arrumadas e arrogantes; para mim, dentro de um olhar de fora, um encontro de sociedade, ou, como costumo brincar, um daqueles encontros onde, se se explodísse uma bomba, se mataria metade do PIB do estado em que resido.

Entre elas uma menina loira, bem apessoada, bonita e elegante, de bons traços e modos delicados. Estuda comigo na mesma escola, fomos colegas em algumas cadeiras e tivemos a chance de trocar algumas palavras além de cordiais cumprimeitos. Eu, um pouco bastante deslocada, estava sentada sozinha, aos cuidados de um queijo Brie e uma taça de espumante. Me dei conta então que estava incoscientemente me afastando, sentada com algumas cadeiras de diferença do resto das meninas. Resolvi me enturmar e ocupei um lugar vago no sofá, ao lado da menina loira. Por cordialidade, puxei conversa falando que fazia tempo que não nos víamos e, na falta de qualquer coisa mais interessante para falar, perguntei como estava a vida após a sua última viagem. Tentando recolher dados sobre o que sabia da menina, perguntei como andavam seus projetos artísticos. O que se seguiu daí foi uma conversa extremamente agradável e que me inundou com um quê de esperança.

Ocorre que a menina é de uma das, se não a mais influente, das famílias do meu estado. Vem de "alta estírpe" e foi criadas nos berços mais dourados em que alguém poderia ser. Os melhores colégios, as melhores babás, os melhores cursos, roupas, oportunidades, presentes de natal. Mas é irônica a vida e tem caminhos tortuosos para construir caráter, seja a pessoa nascida em berço de ouro ou em uma mangedoura de palha. No caso desta menina, posso dizer que o que lhe construiu foi a saúde. Nasceu com saúde frágil e um coração que necessitava cuidados, desde muito cedo, frequentou igualmente encontros de sociedade e salas de cirurgia e, destas, resultaram algumas sequelas que ainda guarda.

Mas quis a vida que além de dinheiro e um coração frágil, a menina tivesse, também, uma alma de artista. Desde muito cedo se dedica a pintura e tem pelas artes grande paixão. E agora, aproximado o momento da sua graduação universitária e de uma escolha mais objetiva por um futuro profissinal, a menina loira de modos delicados me confessou honestamente um sonho, aberta como só alguém em uma festa de amigos de infância e bem acompanhada por champagne e Brie poderia estar.

Me confessou ela que, após passar um tempo em uma escola de arte na Inglaterra, a qual ambas conhecemos e "frequentamos", voltou para o Brasil com o sonho de estabelecer moradia aqui, na nossa pequena província e, aqui, criar uma universidade totalmente dedicada as artes. A todos os tipos de arte.

Mais do que isso. Diz que está pensando no projeto a sério, que pretende viajar pela Europa e Estados Unidos buscando desvendar o que há de melhor nas escolhas de arte e, mais ainda, que já discutiu os planos com seu avô, que muito a apoia. Diz ele, ainda, "que investimentos se consegue e que dinheiro se dispõe".

E eu, que sempre me vi perseguida pelo fantásma das idéias (minhas ou de outrem) que tornavam-se vapor por falta de investidores, vi na menina loira de modos delicados a possibilidade de, enfim, poder realizar algo lindo, poder realizar algo grande, poder transformar uma idéia em algo além de um quadro, por todos nós, que tanto sonhamos e que, às vezes, tão pouco pudemos.

Os filhos da burguesia hoje se redimiram, me provando em palavras suaves e olhos brilhantes de sonhos que se pode acreditar e sonhar com algo maior e melhor do que corredores patinados que fingem ser ouro.

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