domingo, dezembro 20, 2009

Do que se passa em Washington D.C (jan/2008)

Quarta- feira, congresso Norte-Americano. Senado em sessao. Dois representantes de cada estado, 49 representantes republicanos, 49 democratas, um "livre", um democrata livre. No livretinho que explica como funciona o sistema uma ilustracao da camara com os nomes de cada senador e seu lugar no congresso, nomes como Obama e Clinton, com indicacoes dos seus estados. Uma meia duzia de adolescentes engravatados e com espinhas sentados no chao, ateh onde deu pra entender, eles sao responsaveis por levar agua e repor os papeis das mesinhas. Senadores presentes: 1.   
 
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Rua H, 3 quadras da Union Station. Meus amigos moram em um predio de 3 andares, no primeiro, um espaco vazio que serve como galeria; no segundo, 1 quarto, 1 banheiro, coz(inha); no terceiro, 1 quarto e o estudio ou, simplesmente, computadores com adesivos de "talk nerdy to me" e um sem fim de aparelhos eletronicos empilhados. 

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Eh claro que eu esperava ver o congresso cheio. Senadores vorazes, afoitos por expor sua opiniao, cheios de ideias para fazer deste planeta um lugar melhor. 

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A geladeira eh daquelas frigideres antigas, redondinhas, tipo "eh assim que serao as geladeiras do futuro" dos filmes da decada de 60. Branca. Igual a vemelha que a Bruna tem no quarto. Fica bem melhor no quarto da Bruna, como armario, do que disputando espaco com o armario das panelas e a dispensa que soh tem comida pra gatos em um canto da pequena cozinha, como geladeira. 

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"Faz sentido", pensei. Obama e Hilary nao estarem la, afinal, eles estao em campanha eleitoral e, discutivelmente, eh mais importante fazer campanha eleitoral do que manter a constancia diaria do trabalho no legislativo para tentar fazer algo. Sera o sonho de todo o legislativo eh ser executivo? Sera que o legislativo eh um executivo recalcado? 

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O que me deixou mais aflita em todo o senario cozinha foi ter tido mais dificildade em achar comida de gente do que comida de gato. Dentro, na geladeira, tudo empilhado, sanduiches meio-comidos enrrolados em papel aluminio e pacotes de vegetais velhos pela metade. Ja consegui achar uma coisa ou duas e cozinhei, mas eh dificil, me toma tempo e serenidade. Nunca falta comida, mas tambem nunca tem eh como se fosse sempre uma caca a comida, entende? Eu sei que eh mimado e mesquinho eu reclamar, ou mesmo descrever, nao eh meu e tem me sido oferecido de graca e com amor, mas, ainda assim, essas sao as impressoes que fico. 

Essa ausencia da possibilidade de comida tem mexido bastante comigo, esta me fazendo rever meus conceitos e, espero eu, amadurecer.

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De onde eu consigo ver eh um par de ombros de terno que sustenta uma cabeca careca no centro, rodeada por ralos cabelos brancos e maos que se movimentam frenetica e enfaticamente, marcando o ritmo de cada um dos "Mr. President", para o presidente do senado, enquanto este, disfarcadamente, manda mensagens pelo celular por debaixo da mesa. Um velinho que parece simpatico, senador pelo estado de Vermont, esta propondo uma reducao no impostos de nao sei o que la e no reeembolso de nao sei mais o que, que pelo que eu entendi e um reembolso dado pelo governo sobre os impostos pagos. O que acontece eh que quem paga mais impostos, sobre uma fortuna maior, acaba por receber um reembolso maior, o que acaba deixando a sua fortuna maior, e quem tem menos grana e paga menos imposto, ganha menos grana do governo e acaba ficando com ainda menos grana. "Isso foi feito durante a admistracao Regan, e teve efeito. Esta na hora de pararmos com palhativos e tomarmos medidas efetivas para reestabelercer a economia. Ano passado um ....... de trabalhadores da construcao civil perderam os seus empregos, e com esta medida teriamos nos cofres do governo em torno de 500 bilhoes a mais, e com 500 bilhoes a mais poderiamos devolver o emprego para uma boa parcela desta populacao e fariamos a economia girar. Temos que parar de governar para os Bill Gates e Warren Buffets. Eu considero esta uma proposta sensata e solida para reestabelecermos a economia deste pais". Fim da sessao, o senador  se retira, o presidente envia sua mensagem. 

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Quinta-feira. Frio, bem frio. Pennsylvania Av, eu acho, algum lugar entre o Capitolio e  o Obelisco grande. Fui na National Gallery of Art, tudo free, duas visitas guiadas, uma sobre o seculo 19 na Franca, do Roccoco ao pos-modernismo na pintura, otima guia. Outra sobre arte moderna, nao tao otima guia, obras maravilhosas, Picasso de todos os jeitos, as sopas do Andy. 
Voltando pra casa depois de passar no Museu Aeroespacial pra saber a hora da visita guiada, pedi dinheiro na rua pra comprar chocolate. 

Nao me incomoda a humilhacao de pedir, me incomoda a incapacidade e a ansiedade de nao conseguir ficar sem chocolate, me incomoda o desespero que pensar em ficar sem chocolate me gerou, mas me fez pensar, e muito, acho que me fez crescer.

A imagem figurada do chocolade mostra mais do que o vicio infantil, representa um pouco da crenca infatil e ingenua que eu, ainda e ainda que envergonhadamente, ostento.  

Incrivel como sempre fui ingenua e, de alguma maneira ainda mais incrivel, eu ainda sustentava minha ingenuidade sobre argumentos que, para mim, pareciam bastante racionais. Verdade eh que sempre me ideintifiquei mais com a nacao de Warrent Buffets do que com a nacao de pessoas que fica mais pobre ao pagar impostos, sempre romanciei a vida e achei que no final, no meio, no caminho, eu de uma forma ou de outra seria ou continuaria a ser parte dos um por cento da populacao mundial da qual nasci parte e me criei como. 

Mas hoje, desesperadade pela ausencia da possibilidade de chocolate, me dei conta do que a grande maioria dos meus amigos ja sabe: Nao, eu nao nasci Warren Buffet, Warren Buffet nao nasceu Warren Buffet e se eu, algum dia, me tornar um centesimo de Warren Buffet, sera por muito, muito trabalho arduo, muito mais disciplina do que eu jamais exercitei em toda a minha pequena e ingenua vida e muito auto-controle para conter meu desespero e enterder que eu nem sempre terei chocolate. 

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Quinta-feira. Rua H, frio, muito frio. Chego em casa encolhida e rabugenta, meu amigo me abre a porta com um sorriso, diz que eu "look hot", me conta que acabou de editar o video, me oferece um cigarro e chocolate.   

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