terça-feira, janeiro 19, 2010

Escrita sobre Escritos

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Tem mudado muito meu processo de escrever.
Antes, era o eu quem falava.
Cheio de deslumbramento e autopiedade, o eu falava voraz sobre a imagem no espelho.
Hoje não.

Hoje escrevo como quem tira uma foto, para que o espírito do tempo presente não se perca
com o tempo passado.

Do francês oubli, esquecimentos,
passo para o português obrigação e obrigada.

Escrevo como se me fosse um dever narrar as coisas que vejo.
Escrevo sobre as coisas, todas que não são minhas,
como se os sentimentos me fossem emprestados para que eu os possa sentir e contar.

E, como quem pega uma coisa emprestada, escrevo por gratidão.
Por me ser permitido sentir e me ser concedida a nobre tarefa de contar o que sinto.

Sou mais uma ferramenta do que qualquer outra coisa:
como um desses programas de traduzir idiomas que há nos computadores,
sou mera ferramenta de contar simultâneas histórias.
Sou mera ferramenta de traduzir, para que os sentimentos não passem sozinhos e para que não acabem perdendo-se na tradução.

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