quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Solidão e Solitude

***

No último Domingo Martha Medeiros fez uma reflexão bastante interessante sobre a solidão, ou melhor, a solitude: este sentimento que amedronta tanto quanto atrai. Ela fez um paralelo entre o quanto conseguimos acessar nossos sentimentos quando sozinhos e quando acompanhados e acaba concluindo que, quando acompanhados, há uma necessidade de traduzi-los para conseguirmos dividir com o outro e, assim, acabamos por entender melhor nossos próprios sentimentos. Achei bastante verdadeiro e concordo, também eu, às vezes, só consigo sentir quando tento traduzir meus sentimentos a outros.

Porém o texto de Martha me levou a fazer outros paralelos e a pender mais para o romance. Me pus a pensar sobre essa completude que nos inunda quando estamos em um relacionamento romântico: o mundo parece em ordem, os espaços preenchidos. E o oposto também é verdadeiro: ao rompermos um relacionamento as coisas como que perdem o sentido e todos os pores do sol tornam-se incompletos. Mas isto é chover no molhado e cabe mais a Vinícius de Morais do que a mim, descrever. Porém, ocorre-me que, passado este sentimento de solidão, chegamos ao que vou chamar de um "estado de solitude", onde sim, não estamos mais avec, mas passamos a nos relacionar com o mundo, a trocar mais com tudo que há à volta.

É o que tento defender com a minha "Teoria do Pote de Paixão". Acredito que cada pessoa nasça já com seu pote de paixão próprio. Cada um com seu tamanho e intensidade particulares; uns maiores, outros menores. Ocorre que, ao nos apaixonarmos por algo, como um projeto, ou um par romântico, dedicamos muito do nosso pote de paixão para isto ou este, e nos sobra pouco para todo o resto. Já quando estamos em "estado de solitude", temos o nosso pote inteiro ao nosso dispor e fazemos de forma mais igualitária o que chamo de "distribuição do ativo apaixonário": nos apaixonamos um pouco por tudo que nos passa a frente.

Não consigo concluir ou pô-los em uma balança; ambos estados, de paixão ou de solitude, apresentam prazeres próprios e particulares, que tornam impossível escolher um em detrimento do outro. Muitas vezes o que ocorre, entretanto, é que as pessoas, por medo da solidão, acabam por não conseguir chegar ao estado de solitude e, assim, se privam dos prazeres que redistribuir o pote de paixão pode oferecer. Portanto, a única coisa que posso concluir é que, seja alone, ou seja avec, cabe a nós definirmos como fazer melhor uso do nosso "ativo apaixonário". 

A todos, bons pores do sol e um beijo apaixonado. 

Um comentário:

Unknown disse...

Boa critica,
Sabes que acho excelente tua teoria do pote e ao tocar em solitude (que me lembra quase a palavra sobriedade) tras a tona um assunto mais profundo que exige uma abordagem bem colocada.
De fato deve ter-te feito bem esse tempo de praia e de descarrego pois conseguiste abordar o assunto em questão com uma dinâmica (de palavras mesmo) clara e fluida. Digna de muitos elogios que não cabem-me fazer via comentário.
Também parece meio uma fechar de ciclo, este texto. Parece que decidiu-se pela linguagem crônica, que foi muito bem utilizada.
Ótimo isso,
Tudo isso.
Amo-te