segunda-feira, setembro 13, 2010

Espectador Só

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Certas vezes, na ausência de público, torno-me tia coruja de mim mesma. Daquele tipo de tia que está mais gorda a cada Natal e cada novo gole de vinho lhe faz dizer com mais gosto: "Como cresceu! Ainda ontem trocava suas fraldas...". Em um desses momentos em que estava a ser tia gorda de mim mesma, me apercebi de uma evolução que muito me surpreendeu.

Tenho por costume sonhar acordada, sempre tive. Como que por vício, ou pieguice,  fantasiei acordada romances dignos de cinema. A dificuldade era sair da ilusão. A ajuda externa sempre me foi necessária: mãe, pai, terapeuta, extratos bancários... Todos a me dizer: "Bibiana, acorda! Vamos, isso é realidade. Esquece dessas fantasias". 

Então, dia desses, estava fantasiando outra vez. Foi quando inoportunos personagens da realidade resolveram por aparecer e reaparecer. Surgiu o pai, o chefe, o subordinado, o extrato do banco e até o e-mail enviado. Todos teimosos, invasores da minha fantasia. Fui assim obrigada a tomar providências: de olhos fechados, imaginei a minha fantasia e, em volta dela, criei uma bolha que a separava de todo o resto. Imaginei a bolha a crescer e afastar todos, chefe, extrato, e-mail, para longe e mais longe do meu sonhar. Quando já estavam todos bem longe, jogados flutuando no vácuo que sempre visualizo para exilar os pensamentos que não quero, falei à minha mente, como que ordenando: "Sai realidade, que isto aqui é fantasia". 

E quem diria que a menina que só vivia nas nuvens ia ter um dia que abrir espaço na realidade para sonhar... A tia ficou orgulhosa.

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